domingo, 8 de novembro de 2009

REGGIO EMILIA: UMA VIAGEM SEM FIM


 




*Ronnie Corazza






“Não existe uma identidade forte se não existe memória.” ( Mirella)


      Era mais ou menos assim que tudo começava nas histórias: Era uma vez... E assim se seguia a trajetória dos personagens, dos lugares, das palavras, da imaginação, dos sonhos...
Reggio Emmilia é como uma historia viva num tempo presente, de um tempo passado pra um tempo futuro.    
   O que vemos são crianças ouvidas o tempo todo, professores, atelielistas, pais, merendeiras, auxiliares, pedagogos e comunidade conversando e interagindo sobre o que se escuta e o que se vê. Nada é estático, tudo é vivo e presente na memória, na documentação que registra todos os passos do aprendizado da criança.
     A escola é concebida como ambiente de vida, onde o real não é deixado pra fora e sim algo que pode e deve ser considerado nas relações de aprendizagem. O tempo é trabalhado com muita calma , o tempo todo. Eu penso que os conteúdos estão presentes no ambiente, com variáveis de tempos, espaços, formas, imagens, cores e sons que constituem os saberes, nos projetos trabalhados, nos documentos, nos desenhos.  
     E nisso tudo há uma autonomia das crianças. O professor é um escutador, é um comunicador nesta relação de aprendizagem lúdica no ambiente e seus espaços de construções de conhecimentos possíveis.
      Nesse contexto a Arte é um viez que não se dá pelos conteúdos mas os conteúdos se dão por esse viez: pela arte que pesquisa , promove fases do desenvolvimento, reflexão e possibilidades no ateliê. A figura do atelêlista é importante para isso pois é um condutor dessas possíveis manifestações expressivas da infância que ao longo do processo vai envolvendo além das crianças todos os outros que compõem este lugar mágico que possibilita tranformações humanas e dos materiais, dando cotidianamente novos significados. E para isso toda escola é um ateliê, para realizações das atividades e dessa expressões artísticas. Cada sala tem um mini ateliê, que possui uma diversidade de material, sucatas, imagens, livros de arte, argila, folhas, cascas de árvores, sementes, possibilitando uma produção artística de informação. O que chama bastante atenção são os desenhos, pois não importa o lugar no mundo , o processo se dá da mesma forma em relação as fases da escrita que vão levar naturalmente as crianças formularem suas hipóteses, levando-as a alfabetização.
       A expressão não é limitada a este espaço. Não é preciso que haja a presença do atelelista para que haja expressões, a professora conduz os projetos pois ela também é parte do projeto pedagógico das escolas de Reggio.
      Dentro deste trabalho artístico, educativo e cultural existe um conceito de que lixo não é puramente sucata, e sim matéria prima de construção de conhecimento para expressão artística da infância , essa idéia é partilhada por todos os envolvidos: pais , crianças, educadores. Tudo tem significado, assumem como importante e difundem. Objetos são transformados e obtém uma nova identidade, que é modelada pela fantasia e pelo olhar das crianças que acabam comunicando isso para as famílias, promovendo um pacto pela infância entre família, escola, comunidade e a própria criança no desenvolvimento infantil e na construção dos saberes necessários para a vida.
       O ambiente pode apoiar o projeto didático mas também tolher. Nas escolas e creches há presença do verde, as atividades não são para todos, as crianças tem a liberdade de escolha. Existem diferentes propostas de trabalho. A professora não é fixa, presa. Estão interessados que as crianças representem no desenho a sua idéia e não modelos prontos, mas também a sua memória em relação a determinadas coisas, seres, objetos, neste processo o conhecimento é elaborado com as crianças no diálogo sobre o vivenciado.    
    Assim se torna impossível criar desenhos iguais. As crianças escolhem o material permitindo vários testes de desenho para perceberem o processo e fazem suas escolhas criativas para o desenvolvimento de suas produções coletivas ou individuais.
    Existe uma preocupação estética muito grande dos gestores, educadores, crianças, pais em relação aos espaços, mas será que esses atores partem de um caos criativos, de uma possibilidade expressiva de liberdade? Fica claro um conceito de belo, porém será que é um belo que passa pela experiência do feio, do desorganizado, da bagunça que constrói possibilidades? O caos criativo de reinventar suas ações e sensações para que não se feche em idéias de exatidão? Embora seja aconchegante estar nesses espaços das escolas de Reggio, parece que não estiveram crianças nos espaços e tempos permitidos da creche e da escola de educação infantil, como por exemplo o cheiro do shampoo, as peças de brinquedos misturadas, a tinta borrada, enfim aquilo tudo que evidência a vida corrente, o tempo , o som, o certo ou errado, ou seja a possibilidade de experimentar num todo , crianças, pais e educadores sem formatar ou fechar ou simplesmente por o ponto final na infinita oportunidade de conhecer o mundo com e através da infância, com todas a sua pluralidade.
     A cópia metodológica qualquer que seja nos tolhe a possibilidade de construir um projeto pedagógico com vários olhares, sem caminhos fechados, mas trilhados a partir de uma infância recheada de possibilidades artísticas, humanas, verdadeiras que ao longo da jornada vai construindo saberes, formulando idéias e conceitos, acertando e errando mas juntos, educador, pais e crianças podendo direcionar e redirecionar as possibilidades de aprender em tudo, com todos e em qualquer lugar.
     Penso que cada cultura alimentada por suas experiências, seus pensadores, ou outros pensadores devem chegar a uma concepção e prática pedagógica condizente às suas realidades, porém que respondam a cultura produzida pela informação com ética e respeito, e sobretudo que venham a promover conhecimentos plurais para a criança, para o professor, para a escola, para os pais e comunidade. Assim construiremos um ambiente educativo de vida que produz conhecimentos contínuos em todas as áreas a todo momento em qualquer lugar com todas as pessoas participantes desta ação.
      Para isso temos que ter cuidado com os modismos pedagógicos, dormimos construtivistas e acordamos reginianos e a tarde somos frenetianos ou piagetianos. E a criança e a infância onde e como fica com tudo isto ? A proposta de Reggio não é de exportar modelos mas nos apresentar uma forma que foi construída ao longo de uma experiência que nos possibilita reflexões e novos olhares sobre as nossas práticas. E além disso nos faz pensar em cada canto do nosso país com tantas práticas educativas e culturais, que em potencial tem dado tantos resultados quantitativos e qualitativos, porém nos falta o viez, a costura desta rede possível de transformação social e educacional para a construção de uma cidadania e de uma prática pedagógica condizente as nossas realidades e aos quereres e saberes de nossas crianças que tanto conhecimento produzem, só nos falta as vezes promover o protagonismo de uma educação que pode ser plural: professor, educador, crianças, pais e comunidades.
      Assim como as histórias de Reggio Emilia esta não tem fim e a nossa continua sob uma ótica de que escutar as crianças é primordial, registrar e partilhar é fundamental para criarmos olhares diferentes de uma história que temos a possibilidade de fazer sempre melhor e com uma diversidade de cores, sons, espaços internos e externos, novos lugares pra educar e transformar...





*Ronnie Corazza
Arte-educador
Santo André - SP