terça-feira, 2 de março de 2010

Malas prontas. Destino: Reggio Emilia.

Malas prontas. Destino: Reggio Emilia.

*Marcio Brandão Pereira


Estava muito tenso... Minha formação em administração e não em pedagogia, me trazia uma sensação enorme de “desvantagem” naquele momento e o medo de dar vexame entre tantos com outra formação era grande. Além disso, eu sabia que seria um dos poucos homens no meio de muitas mulheres... Mais assustador ainda. Havia também a questão da língua; do italiano sei falar pizza, mamma mia, Rita Pavone e talvez umas poucas outras coisas.

No aeroporto em Milão, comecei a respirar com mais tranquilidade... Encontrei vários companheiros de viagem da Bahia. Mesmo sendo eu mesmo um “baiano de araque”, este mês completando 40 anos de Sampa, não há como não se sentir confortável diante de gente tão acolhedora.

Chegamos a Reggio, cidade pequena e tranquila, incapaz de assustar a quem mora em São Paulo.

No dia seguinte, ao receber as boas-vindas num ambiente bastante agradável, a tensão logo foi se dissipando. Começaram as palestras e pude sentir quão importante fora a leitura dos livros recomendados*. Não é um bicho de sete cabeças, a intérprete dá conta do recado, percebo que dá para entender um pouco mais do que aquelas palavras em italiano que citei acima, e as informações que vão sendo transmitidas são por mim absorvidas sem dificuldades. Não há mais tensão.

À tarde, visitamos a primeira escola. Aos poucos, vamos vivenciando a importância e a beleza do trabalho realizado. Começo a comparar com o que realizamos na escola em que trabalho aqui no Brasil e vou sentindo um maior reconhecimento da seriedade e da qualidade do que fazemos. Defronto-me então com um primeiro aspecto que me parece incomparável: a estrutura física. Tanto nesta primeira escola, como nas outras duas que visitamos, a diferença é gritante em relação às nossas escolas. É esse o maior impacto que sinto. Sei que não podemos transpor, nem o queremos, a realidade de Reggio para a nossa. O que podemos, então, é analisar e aprender com eles tudo o que fazem de bom e que podemos/queremos adaptar.

Chamou-me a atenção a estrutura extremamente enxuta das escolas, que contam basicamente com professores, mais uns poucos auxiliares, atelierista, cozinheira e auxiliares. Não vi funcionários do setor administrativo ou de secretaria, provavelmente por serem estas funções centralizadas na administração municipal. Gratificante saber que não necessitam de seguranças, como acontece nas portas de muitas escolas brasileiras. Aliás, foi muito bom ver as escolas com várias portas para o seu entorno e sem muros altos ao redor.

Minha análise não pôde ser tão crítica ou profunda quanto eu desejava. Infelizmente, a barreira da língua impedia uma comunicação direta com palestrantes e funcionários das escolas visitadas. Seria interessante haver um debate mais inquisitivo sobre as questões e dificuldades que afetam a todos nós que vivemos a escola e que, certamente, não devem deixar de fazer parte do cotidiano de Reggio, ainda que de eventuais outras naturezas. Mas isto não diminui o impacto de se ver uma obra de reconhecida qualidade em andamento.

A mesma sensação boa se tem ao percorrer as ruas do centro histórico de Reggio. Imediatamente somos transportados a um passado distante, cheio de tradições que co-existem com a modernidade de um país de primeiro mundo. Chamou-me a atenção a quantidade de praças, que permitem aos habitantes conviverem e ocuparem sua cidade de forma coletiva. Não é à toa que o conceito de praça é central nas escolas de Reggio. Sinto uma grande tristeza nesse momento, ao comparar Reggio com minha São Paulo, onde praça é sinônimo de lugar cercado por grades para evitar a marginalidade. Mau hábito este de nossa cultura, que cuida de sintomas, não de causas.


Não posso deixar de falar das crianças. Não há como separar a minha visão de educação da minha visão de mundo. Dentre os princípios em que acredito estão a liberdade e o respeito à coletividade. Creio que podemos (e devemos) ser livres e criativos, sem perder de vista a importância do respeito ao coletivo. Isto eu vi em Reggio. Não são necessárias regras rígidas para que possamos ser livres dentro de um espaço coletivo; é necessária uma cultura que valorize e respeite igualmente a individualidade e a coletividade. Em Reggio, esta cultura está intencionalmente presente no processo de formação desde a infância.

A semana passou voando. Não pretendo aqui abordar mais profundamente as questões pedagógicas observadas, até porque o risco de me dar mal é enorme. O importante é que promoveu em mim uma maior compreensão do que já estamos realizando na educação infantil em nossa escola, e deixou ainda mais claro aonde podemos chegar. Valeu para que eu, que sou o responsável por dizer “aqui estão os recursos para o que vocês querem”, tenha uma consciência muito maior do porquê de cada recurso disponibilizado.

Cabe também salientar a capacidade de Reggio de se promover, o que é admirável. Não tive a oportunidade, mas gostaria de ter questionado sobre como estaria Reggio hoje, se não houvesse a exposição mundial ocasionada pela reportagem na revista Newsweek. Não vejo qualquer problema ético na manutenção desta postura de exposição, que certamente os ajuda a estar em evidência e que também deve contribuir financeiramente para o sustento da obra. Entretanto, fico imaginando qual seria a reação se nós, escolas brasileiras, cobrássemos por um marcador de livros replicando um desenho de crianças... Repito, isso em nada diminui a seriedade e a qualidade do trabalho desenvolvido em Reggio, que certamente vale ser conhecido por qualquer educador, bem como por administradores que sejam responsáveis por viabilizar administrativa e financeiramente qualquer escola.
* Os livros a que me refiro são...

As Cem Linguagens da Criança – Carolyn Edwards, Lella Gandini e George Froman
Tornando visível a aprendizagem das crianças – Linda Kinney e Pat Wharton



*Marcio Brandão Pereira
Diretor Administrativo e Financeiro do CEB - São Paulo