quarta-feira, 20 de junho de 2012

Reggio 2012: De malas prontas!


                                                                                     *Cândida Silva

No ano de 2009 tive o meu primeiro contato com o sistema educacional de Reggio Emilia, ainda na faculdade comecei a me apropriar deste contexto, que naquele momento parecia mais algo surreal, fantasioso.  Diante do quadro educacional existente no Brasil é complicado até pensar que exista algum lugar, uma cidade, em que a educação infantil é preservada, e respeitada.
Comecei a participar das reuniões mensais da RedSOLARE Brasil neste mesmo ano. Nestas reuniões são apresentados projetos, relatos, ações de escolas de Salvador (escola das diversas esferas: particular, municipal e comunitária). Reunião de pessoas com um mesmo propósito, mesmos sonhos, mesmos ideais e a mesma preocupação com a melhoria na qualidade da educação infantil.
Os Seminários foram fonte de muita inquietação. Estive presente em todos desde 2009. Nestes seminários podíamos sentir aqui no Brasil um pouco do que se passava nas escolas em Reggio Emillia, tínhamos diálogo com pedagogistas e atelieristas. E a cada diálogo, cada apresentação, cada debate ou discussão me sentia mais provocada a estudar, pesquisar. Mas ainda faltava beber da fonte...
Pensar sobre a possibilidade de ir para Reggio Emilia me passou pela cabeça ainda em 2011. Nesta época estava organizando o Grupo de Estudos e por ver toda a movimentação, nas mensagens das pessoas que buscavam por informações, a expectativa de todos que já estavam inscritos e os comentários de retorno pós-viagem.  Toda energia emanada das pessoas que cultivavam o sonho de ir para Reggio Emilia me contagiou. A partir daí as minhas malas começaram a ser arrumadas. Enchi as malas de desejo, curiosidade, esperançar e fé. Um enorme desejo de ir muito longe, atravessar um enorme oceano, conhecer um pouco de certa essência, absorver um pouco de tal coragem. A coragem de priorizar a criança e uma educação infantil que pense na formação integral do ser humano.
Em 2012, a certeza de que viajaria para Reggio Emilia me fez buscar todos os sentimentos que haviam me inquietado durante esses anos e colocar em minha mala. Finalmente a sede seria saciada, sede de conhecer, sede de conhecimento, de aprendizagem. Com um grupo de 119 brasileiros fui conhecendo a cidade, numa semana muito intensa onde se respirava educação infantil. A cultura da infância defendida em diversos idiomas.

Visitei escola Paulo Freire, fiquei muito encantada, não apenas pelos jardins e flores. Não somente pelos trabalhos realizados. Vi crianças de diversas etnias convivendo em harmonia, se pudéssemos  aprender com elas, tanta gente precisando aprender. Ensine-nos crianças, as diferenças existem e precisamos conviver e respeitar todas elas, quem sabe assim poderemos ter o mesmo brilho no nosso olhar.
As atividades foram iniciadas, e cada minuto foi muito precioso, nada podia ser perdido pouco tempo para captar tanta informação. Pude compreender o funcionamento das escolas Reggianas na prática, o que antes parecia confuso e impossível se tornou  claro e compreensível, a importância da documentação  e principalmente sobre à valorização e respeito em relação à infância.
Para quem pretendia voltar com  as malas cheias, compreendi que não existem fórmulas prontas, entendi também que os contextos são diferentes, o Brasil apresenta um outro contexto, uma outra realidade. Ir à Reggio Emilia não deve provocar um sentimento de frustação, nem tampouco ações radicais. É preciso exercitar o bom senso. A mensagem principal que deve se tirar da experiência é a de  que somos capazes de construir um lugar em que a nossa criança tenha prioridade, seja preservada e amparada, para isto é preciso acreditar, lutar e promover ações.

*Pedagoga, membro da RedSOLARE Brasil polo Bahia e da ESSE Consultoria.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Reggio: Lá e de volta outra vez...



*Nayara Vicari de P. Baracho

Só ao entrar no trem em Bologna tive percepção de que era real: sim, eu estava indo para Reggio Emilia pela segunda vez. Era um sonho que se repetia.
                Desde a primeira vez em que tive contato com a abordagem de Reggio Emilia para a Educação Infantil, me identifiquei e me encantei com seus propósitos: era uma educação que não apenas declarava, mas acontecia tendo a criança como sujeito de direitos, participativa em seu processo de aprendizagem, competente e que é ouvida pelos adultos a sua volta. Foi o encontro de sentimentos e vivências de minha vida pessoal com a aspiração do que poderia fazer em minha vida profissional. A cada encontro, palestra, seminário com representantes de Reggio, me sentia revigorada e ainda mais disposta a entender as respostas que essa cidade encontrou para pensar a educação da infância. Porem, foi também enquanto ainda estava na graduação , que participei de discussões sobre a cultura brasileira de importar e valorizar modelos e propostas internacionais – sabemos que, infelizmente, não só na educação... Foi a partir de então que, além de um olhar admirado, passei a enxergar a abordagem de Reggio Emilia como inspiração, como ampliação de repertório para minhas práticas. Para mim, Reggio passou a ser não a resposta, mas a provocadora de perguntas.                                                                                          
                                                                                                               Reggio Emilia, em fevereiro/2011
                Foi com esse sentimento de provocação que participei do grupo de estudos de 2011. De que forma a política,  a participação, a questão ética, a estética, a formação dos professores, a voz das crianças, o ambiente como terceiro educador, o currículo flexível, enfim, como os principais pontos que ajudam a entendermos o trabalho realizado pelas escolas estariam relacionados com o meu fazer? Eu, pretensamente, já havia escolhido o caminho que para mim era o fio que ligava todos esses pontos: a documentação. Era a partir dela que estava estudando e buscando compreender a expressão de todos os princípios da abordagem. E     estava certa de que, durante a semana, ela seria meu grande foco.
                Porém, como normalmente acontece no cotidiano da educação infantil, meus planos precisaram ser alterados pela realidade que encontrei... Eu estava encantada. A cidade, as pessoas, as escolas, a experiência de estar vivendo tudo o que tantas vezes idealizei durante leituras e encontros me fez querer abraçar tudo aquilo da maneira que pudesse. E eram tantas novidades e descobertas que entendi que não adiantava tentar olhar para a documentação, dentro dessa proposta, sem também olhar o contexto em que estava inserida.
                Após minha volta, retomei meu olhar para a documentação, buscando entendê-la enquanto prática relacionada a formação de professores, a concepção de infância, ao envolvimento e diálogo entre os principais sujeitos do processo educativo (crianças, pais e educadores). A proposta de documentação dentro da abordagem de Reggio é uma possibilidade de crescimento inspiradora para qualquer contexto educacional, porque parte do que está disponível em todos eles: as crianças. Há, atualmente, estudos e ressignificações de práticas de documentação em diferentes países, como Escócia, Portugal e países da América Latina. Acredito que essa difusão foi possível pela plasticidade da documentação, pois, para que aconteça, não são necessários investimentos ou mudanças significativas no ambiente, mas, sim, a mobilização e vontade dos profissionais envolvidos com as crianças na escola para a realização de pesquisas sobre as questões de desenvolvimento e ensino e aprendizagem na primeira infância. Não há roteiros ou padrões a serem seguidos, formas certas ou erradas de fazer, necessidade de material específico.
                                                                                                                       Reggio Emilia, em maio/2012
             Assim, nessa segunda viagem, tentei não criar expectativas e estar preparada para novas vivências e descobertas. Olhar e ouvir novamente sabendo que eu não era mais a mesma pessoa que havia estado lá ano passado – e, por isso, nada seria igual. Era o novo, de novo. E isso possibilitou um olhar mais tranquilo e objetivo. Nessa segunda viagem, especialmente durante as visitas, pude estar mais atenta a documentação e seu significado enquanto um processo amplo com o intuito de tornar visível o trabalho pedagógico e a aprendizagem das crianças, buscando conferir sentido à prática vivida no dia a dia das escolas. Consegui, enfim, estar atenta ao que me propus na primeira viagem, pois já havia tido a oportunidade de encontrar, pensar, repensar e refletir. Pude aprender muito, de novo. Volto de Reggio acreditando cada vez mais na documentação como instrumento de pesquisa e transformador de práticas, que auxilia educadores e famílias no entendimento da criança enquanto sujeito do presente, com potencialidades e direitos, por meio da visibilidade de seus processos de aprendizagem. Como instrumento que pode ser utilizado por todo contexto que sinta necessidade de movimentar-se na construção de práticas democráticas para a infância. Essa jornada é fácil? Com certeza, não... Mas, com a inspiração de Reggio, já demos nosso primeiro passo. O numero crescente de brasileiros, ano a ano, no grupo de estudos, é um sinal de que podemos percorrer juntos essa caminhada!


*Pedagoga e Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de Sao Paulo com a dissertação “A documentação na abordagem de Reggio Emilia para a Educação Infantil e suas contribuições para as práticas pedagógicas: um olhar e as possibilidades em um contexto brasileiro”.