quinta-feira, 23 de agosto de 2012

PRÓLOGO LIVRO “DIÁLOGOS COM REGGIO EMILIA”

Por Marilia Dourado*

Em Diálogos com Reggio Emilia**, escuto, investigo e aprendo, como está posto no título desta obra. Mas vou mais além: sonho e cultivo a ideia de escolas de educação infantil do Brasil e do mundo dotadas de princípios ético, estético e político, que reconheçam as crianças como agentes de mudança e transformação e que com elas, efetivamente, estabeleçam relações de confiança para a construção de uma autonomia criativa.

Faço parte do International Network da Reggio Children, grupo mundial organizado com representantes e associações de mais de 30 países e presidido por Carla Rinaldi. Sou membro deste grupo como representante do Brasil na RedSOLARE – Associação Latino Americana em defesa da cultura da infância e de difusão das práticas educativas das Escolas Municipais de Reggio Emilia.

Como representante da RedSOLARE Brasil, tenho tido a oportunidade de ir à cidade de Reggio Emilia duas vezes ao ano, nos últimos cinco anos. Faz três anos que Carla me fez uma provocação e desde então vivo com esta ideia na cabeça e no coração: “A América Latina é a esperança do mundo, vocês estão se organizando para responder a essa expectativa? Temos muito o que aprender com vocês.”

Minhas reflexões referem-se, principalmente, ao processo gerativo, à contribuição da prática educativa de Reggio e às experiências e reflexões que Carla Rinaldi oferece a nós, educadores brasileiros, porque creio que essa é uma das questões mais importantes a ser compreendida, para irmos muito além do aparente, do modismo, da importação de modelos, do fazer sem refletir.

Neste livro, com capítulos escritos ao longo de três décadas, encontro muitas ideias, pistas e trilhas para atribuir sentido e participar da construção e reconstrução das trajetórias de creches e pré-escolas de educação infantil no meu país, valorizando história, identidade, cultura e participação. 

Este é um convite à compreensão de que estamos no momento de agir e convocar todos os atores sociais que trabalham em espaços educativos para a defesa da infância através de um diálogo verdadeiro, transparente e transformador, conscientes das nossas escolhas e de quanto temos que aprender com as crianças. É o contrário da indiferença, do conformismo e da negligência.

Na obra, a autora narra seu percurso profissional em diferentes momentos da sua história e a experiência das Escolas de Reggio Emilia como um projeto que, vivido e testemunhado com autenticidade e conhecimento de causa, foi construído na coletividade, optando por reconhecer recursos e potencialidades sempre inéditos nas crianças durante a primeira infância, por valorizar os educadores e a família como protagonistas, assim como a memória, o registro, a documentação e a história como elementos de um patrimônio cultural das escolas. Como um projeto que optou também destacar como as riquezas da espécie humana transcendem as culturas individuais, o que exige responsabilidade e participação de todos. 

As escolas são ambientes organizados que oferecem ao ser humano um espaço de vida. Como devem ser esses espaços, são escolhas que devemos fazer. Carla defende que sejam lugares envolventes para crianças e adultos, acolhendo-os numa rede de relações em um campo de possibilidades criativas de expressão e de comunicações múltiplas. Aqui entra a tão bem-colocada ideia de escuta; uma escuta que prevê diálogo atento, cuidadoso e marcado pelo respeito — uma comunicação que não está só conectada com a palavra, mas também com os olhos, o corpo, as mãos.

Volto à provocação inicial que Carla me fez e questiono: Como os educadores de Reggio podem aprender com as nossas experiências? Recordo Humberto Maturana, que afirmou: “Mesmo que de imediato não o percebamos, somos sempre influenciados e modificados pelo que experienciamos.”

Vejo que, na ideia de complementaridade, encontramos as possibilidades de intervenção e colaboração. É com a nossa identidade e com o nosso próprio sentido de atuar em relações democráticas e respeitosas com o outro, com o mundo e com a natureza que expressamos nossas grandes riquezas. É nossa vocação para a atitude positiva e agregadora, sobretudo pela realidade desafiadora e tão diversa que vivenciamos no Brasil, a pista colocada por Carla para trilharmos nosso caminho para uma educação infantil que faça a diferença.

Vamos portanto construir laços entre espaços geográficos do nosso país e do mundo e tempos históricos diferentes da nossa história e de muitas outras que nos projetem para um aqui e agora pleno e um futuro cheio de relações múltiplas, para que sejamos capazes de perceber o valor da nossa força, para que a educação infantil floresça, cresça, transforme e nos estimule a cultivar novos sonhos.


*Representante Nacional da RedSOLARE Brasi
 **Prólogo do Livro "Diálogos com Reggio Emilia: Escutar, Investigar e Aprender", Carla Rinaldi, Ed. Paz e Terra, 2012.